Relacionamentos familiares sempre são complicados, mesmo quando tudo parece bem, feliz e harmonioso, ainda existem segredos, sombras, palavras não ditas que só nós, ou as outras pessoas, sabemos que existem, que continuam lá guardadas em algum lugar e tudo isso é amplificado quando o status familiar já não é lá tão equilibrado.
Fun Home é um álbum em formato de biografia em quadrinhos e traz a história da relação da autora, Alison Bechdel, com seu pai, onde ela revisita a infância e adolescência e os atropelos comunicativos e cotidianos, além das diferenças e semelhanças entre eles. O tema que permeia essa história é a homossexualidade, como para um isso se tornou motivo de vergonha e o fez se esconder, mascarar, a sua própria realidade, e para o outro foi não só uma autodescoberta como uma peça importante de um quebra cabeça que era sua família.
Sensível, realista, impactante e reflexiva, são adjetivos bem adequados para a obra de Alison, que dispara, como uma arqueira grega lançando flechas certeiras em seus alvos, referências a cultura pop da época e a grandes autores da literatura mundial, em um paralelo das obras com a sua própria vida. O desenho também não fica atrás com seu traço puxado para a representação realista, com influencia de um estilo mais underground americano dos anos 60/70, apesar de mais limpo, onde nos leva para a casa dos Bechdel, sua funerária, a universidade e apartamento de Alison, ambientes que apesar de serem os seus locais de vida ao mesmo tempo não a representação. Muitas vezes eu não conseguia integrar a personagem dentro daqueles lugares, como se ao mesmo tempo em que fossem partes dela não eram exatamente assim.
Apesar de muitos olharem torto, eu sou fã de biografias em quadrinhos, pois, elas usam uma linguagem que gosto, atrativa, para contar a vida de alguém e muitas vezes com toda a carga de subjetividade possível, haja vista que muitas vezes é mais uma autobiografia do que algo realizado por terceiros, e eu gosto de subjetividade em uma narrativa, em ver metáforas, alegorias, referencias que ampliam e dão um ar especial a leitura. Claro que podemos entrar na discussão de que autobiografias nunca serão totalmente fiéis e que biografias alheias podem representar mais fielmente, contudo, para mim, as últimas correm o risco de se tornarem pura representação quase jornalística ou de dados. E como eu disse, gosto de subjetividade em uma obra, coisa que se tem mais com autobiografias.
Fun Home tem muito dessa subjetividade, óbvio, mas diferente de Retalhos ou ainda Umbigo Sem Fundo, que ainda não li, mas as vozes do horizonte já me informaram como é, ela não incursiona tanto em um realismo fantástico ou recursos gráficos que representem a psique ou sensações dos personagens. Aqui tudo é mais direto, mais objetivo, desde uma relação sexual, passando por a convivência com cadáveres até uma simples conversa dentro de um carro, o subjetivo aparece mais em interligações temporais, literárias e em texto, tanto que também é considerado um quadrinho literário, não só por esse motivo claro.
Para quem curte ver na história de uma pessoa o retrato de tantas outras, e até quem sabe seu mesmo, e quem admira os quadrinhos e suas inúmeras possibilidades, Fun Home é mais do que indicado. Não é a toa que foi eleita o livro do ano em 2006 pela revista Time, figurou na lista de livros mais vendidos do The New York Times e faturou diversos prêmios (entre eles, o Eisner Awards de Melhor Não-Ficção).
Adentre a vida de Alison e sua relação conturbada com seu pai e quem sabe você não reflete sobre sua própria relação familiar, afinal, a vida passa muito rápido e não dá muito tempo para arrependimentos.
Adentre a vida de Alison e sua relação conturbada com seu pai e quem sabe você não reflete sobre sua própria relação familiar, afinal, a vida passa muito rápido e não dá muito tempo para arrependimentos.
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