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terça-feira, 28 de junho de 2011

Jogo de Cena: a história acima do narrador



Atendendo a um anúncio de jornal, oitenta e três mulheres contaram suas histórias de vida num estúdio. Em junho de 2006, vinte e três delas foram selecionadas e filmadas no Teatro Glauce Rocha. Em setembro do mesmo ano, atrizes interpretaram, a seu modo, as histórias contadas pelas personagens escolhidas. Esse é Jogo de Cena.

O diretor Eduardo Coutinho e uma das personagens (?)
Em mais de uma hora e meia de filme, o diretor Eduardo Coutinho nos traz histórias de vida fortes e aproveita para brincar com o próprio gênero documentário, colocando atrizes para interpretar as mesmas histórias em cima do que foi contado por suas personagens originais. Esse jogo de encenação ganha contornos ainda mais interessantes quando vemos essas atrizes analisando sua interpretação e a história contada.

Tradicionalmente documentários baseiam-se fortemente no momento, ou como Coutinho sempre coloca no "encontro", da entrevista, da relação diretor e personagem. Em Jogo de Cena o diretor caminha para uma valorização mais da história, da narração de um fato, a partir do momento que vermos pessoas diferentes contando uma mesma história parece nos dizer: “está prestando a atenção, não é quem conta que me importa aqui, mas sim o que é contado”.

Com uma montagem impecável o diretor consegue nos enganar em muitos momentos, nos fazendo acreditar que quem está contando tal fato é realmente quem viveu, para depois em uma única frase final desmoronar nossas crenças. Mas, o filme também nos coloca a própria incongruência do discurso humano, que diz algo e mostra outro. Podemos ver isso no depoimento da senhora de cabelos grisalhos, com problemas com a filha, que se mostra em gestos muito dura, nas palavras que quer mostrar alegria, encerrar sua fala com uma música animada e o que faz é exatamente o oposto.

Jogo de Cena é o décimo longa-metragem de Eduardo Coutinho, um dos maiores documentaristas brasileiros em atividade. Depois de um início de carreira dividido entre a ficção e o documentário, Coutinho optou pelo segundo a partir de uma breve passagem pelo programa Globo Repórter, na década de 70, quando o programa fazia grandes reportagens, até realmente documentários, de cunho mais social e menos "animais selvagens".

O seu filme Cabra Marcado para Morrer, iniciado em 1964 (interrompido por conta da ditadura militar) e finalizado em 1984, tornou-se um grande clássico do cinema brasileiro. Mais recentemente, iniciou uma fase muito produtiva com a realização seguida de cinco filmes em seis anos: Santo Forte (1999), Babilônia 2000 (2000), Edifício Master (2002), Peões (2004) e O Fim e o Princípio (2005). Dentro dessa trajetória de produtividade e sucesso ainda podemos destacar as obras Santa Marta: Duas Semanas no Morro (1987) e Boca de Lixo (1992), até hoje referencias.

Entre o real e a ficção, Jogo de Cena nos reforça que no cinema, ainda, o que mais importa é se contar histórias, independente do mensageiro. Eduardo Coutinho burla suas próprias regras documentais e faz um já marco do cinema documentário brasileiro.


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