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segunda-feira, 16 de abril de 2012

Odair José e o Filho de José e Maria


O ano era 1977. Odair José, famoso por suas canções tidas como bregas, resolve lançar um LP com estilo totalmente diverso do que costumava fazer. Seu plano era produzir um disco em ritmo de rock, sem maiores sofisticações ou requintes técnicos. Um álbum duplo que contaria a história de um indivíduo de seu nascimento à morte. Só que nem tudo saiu como ele queria.





Odair José era um cantor famoso por sucessos como Eu Vou Tirar Você desse Lugar, que vendeu mais de 800 mil cópias na época, Uma Vida Sò (Pare de Tomar a Pílula) ou Deixe Essa Vergonha de Lado, que lhe rendeu o nome de “cantor das empregadas domésticas”. Sempre abordando temas tabus, muito por conta de suas experiências no mundo dos cabarés, ou meretrício, para ficar com um nome mais do momento histórico, teve inúmeros problemas com a censura militar.


No meio dos anos 70 tinha saíu da gravadora CBS e foi para a Philips, para depois ser contratado pela BMG/RCA. Mesmo com a concordância da nova gravadora em sua proposta de disco, os produtores prefeririam não se arriscar usando algo mais “de garagem” e ele acabou gravando com sua tradicional banda Azimute. E o que seria um disco duplo acabou saindo como um único LP com dez faixas.

O Filho de José e Maria relata a história do casal do título e da criança fruto dessa relação. Contando a vida do homem, que não tem nome, indo do seu nascimento, passando por dilemas existências, uso de drogas, questões de sexualidade, críticas ao casamento e a igreja, o disco causou muita polêmica, principalmente depois que um padre excomungou o cantor dizendo que o disco falava da vida de Jesus Cristo.


Apesar de em momento algum se afirmar estar falando de Jesus, a associação por conta do nome dos pais do personagem é inevitável. Aliado a esse fato curioso, as criticas negativas - Chegou quem dissesse que o “cantor das empregadas” estava querendo elitizar sua obra e se afastar do povão - e a baixa receptividade de público tornou o disco um fracasso de vendas. A imprensa, em sua eterna ânsia de classificação, logo colocou o disco como uma ópera-rock,comparando-o a obras como Tommy, do The Who, ou The Wall, do Pink Floyd.

Para acompanha-lo, responsável pela guitarra, violão e arranjos de base, o cantor agrupou nomes como Robson Jorge (piano e Fender Rhodes), Hyldon (guitarra), José Roberto (órgão, clavinete, Arp strings), Alexandre (baixo Fender), Ivan “Mamão” (bateria), Jaime Alem (guitarra e violão), José Lanforge (voice box e harmônica), Don Charley nos arranjos de sopro e cordas e Durval Ferreira na direção artística.



Segundo Paulo César de Araújo, autor do livro Eu Não Sou Cachorro, Não (Record, 2005), o tema do álbum é “a história do nascimento, vida e morte de um jovem pederasta – o filho de José e Maria, que após longos anos de processo de solidão e rejeição social, assume a sua sexualidade e, aos 33 anos, encontra a plenitude e a felicidade. O texto faria uma livre adaptação da história de Cristo para os dias atuais”. Odair afirma que a inspiração para o álbum partiu dos livros do escritor Kalil Gibran, com “O Profeta”, e a vontade de montar uma banda de garagem com um som cru e rasgado, bem rock’n’roll.

Com um som realmente bem mais cru, progressivo e experimental, Odair traz em O Filho uma boa junção da simplicidade tanto do som do rock quanto das letras mais bregas, românticas até. Na primeira faixa, Nunca Mais, ele já dá sua mensagem: Eu agora sou bem diferente / não se assustem e nem se preocupem / só que agora nada mais me encuca / e os meus traumas fui deixando prá trás / e o meu passado não me assusta mais.



O LP aborda uma gama de temas e sons dentro da ideia maior, como a mudança de conceitos em Não Me Venda Grilos (Por Direito), a balada Só Prá Mim, Prá Mais Ninguém, a busca pelo desconhecido em É Assim..., os sonhos e as ilusões em Fora da Realidade, os abalos na infância provocado pela separação dos pais em O Filho de José e Maria (que para mim é um perfeito paralelo para a vida de tantas crianças abandonadas pelos pais em orfanatos e ruas por ai), as verdades da vida em O Sonho Terminou, as carências e a solidão em De Volta Às Verdadeiras Origens e o recado final em Que Loucura. que diz “essa foi minha história / mas podia ser a de vocês”.

Apesar do fracasso comercial e os incômodos que teve – como a lendária história de que ele teria ido ao Vaticano pedir perdão ao Papa -, até hoje Odair admite que esse disco é um dos melhores trabalhos de sua carreira, tornando-se até cult, que traz a velha pegada do cantor de cronista dos excluídos. No tributo a Odair José, gravado por bandas do cenário independente, lançado em 2006, a banda Shakemakers regravou a primeira faixa do disco, “Nunca Mais”, e o Pato Fu participou com uma versão de “Uma Lágrima,” faixa do disco “Coisas Simples”, que seria o segundo disco do LP duplo que Odair originalmente pensou.

Pelo que apurei Filho de José e Maria ainda é inédito em CD, existindo só em LP ou mp3. Existem também trabalhos interessantes como o livro de Sara Stopazzolli feito pela Mojo Books, baseado na obra. É interessante ver como existem trabalhos e cantores por esse Brasil com propostas e performances tão diversificadas e ousadas - e mesmo assim desconhecidas de muitos. Fica a recomendação desse belo trabalho, que, mesmo com alguns elementos mais datados, ainda é muito relevante e atual.

Agradecimentos:

http://www.blodega.com/
http://sambaesoul.blogspot.com.br/

2 comentários:

diogo02000 disse...

Sempre achei Odair José foda por causa das musicas "bregas", mas não conhecia esse trabalho dele em específico, interessante. Ronnie Von também chegou a gravar um cd mais "experimental" em comparação ao que ele fazia na época, só que no caso é mais conhecido do que "O Filho de José e Maria". Ótima matéria.

Freud disse...

Fodasso o post.

O som das músicas é bem datado mesmo principalmente por causa de parte do instrumental, mas é interessante. Se tivesse sido gravado como rock de garagem teria sido bem melhor, e mais adequado a proposta do album. 

Vou ouvir inteiro com calma depois.