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quarta-feira, 24 de março de 2010

Histórias aos quadradinhos: quadrinhos em Portugal



Olá cambada, estou de volta ao convivio uareviano, esse lugar fedorento, porém aprovado no controle de qualidade (após um suborninho básico). Pois bem, como ainda estou em ritmo de férias vou só dar o famoso "Crtl C + Crtl V" em um texto bem legal publicado no Universo HQ pela Sonia M. Bibe Luyten, autora dos livros: O que é Histórias em Quadrinhos, Histórias em Quadrinhos - leitura crítica e Mangá, o poder dos quadrinhos japoneses. Nesse texto ela desbrava o, para nós brasileiros, misterioso mundo dos quadrinhos de Portugal, nossos colonizad... quer dizer, companheiros, irmãos de linguagem. Então fiquem com as sábias palavras dela. Semana que vem eu volto... ou não!


Portugal: das histórias aos quadradinhos às bandas desenhadas
Por Sonia M. Bibe Luyten
No Brasil, falamos o idioma português. Também herdamos boa parte da cultura que Portugal trouxe após o descobrimento. Mas, em matéria de histórias em quadrinhos... mal nos conhecemos. Os fãs de HQ sabem mais sobre o Yellow Kid do que a respeito das Aventuras Sentimentais e Dramáticas do Senhor Simplício Baptista, publicado em 1850, muito antes do seu par norte-americano, em 1896.

As histórias aos quadradinhos ou bandas desenhadas portuguesas possuem uma riqueza e abundância de histórias e autores e uma bibliografia especializada no assunto tão grande, que é de fazer inveja para qualquer um que se dedique ao assunto. Por isso, em dois (ou mais) capítulos vamos fazer o caminho inverso de Cabral e descobrir o que está por detrás do mundo lusitano das HQs.


Dos pioneiros de 1850 aos artistas maduros da década de 1940


A produção das histórias aos quadradinhos, como eram denominadas em Portugal em seu primeiro século de existência, começa em 1850, com a publicação da primeira história de Aventuras Sentimentaes e Dramáticas do Senhor Simplício Baptista, assinada por Flora, provavelmente o pseudônimo de Antônio Nogueira da Silva, um dos mais importantes caricaturistas desta época.

Esta história em seqüência de quatro vinhetas, ou em tiras de duas vinhetas, apareceu no número 18 da Revista Popular, no dia 3 de agosto de 1850, atingindo todos os requisitos para se considerar uma HQ.

No entanto, o maior artista gráfico português do século XIX e início do XX foi Raphael Bordallo Pinheiro (1846 - 1905). Ele pintou e bordou como ninguém em sua época. Chegou até a passar uma temporada no Brasil e, em 1875, tornou-se grande amigo de Angelo Agostini, o nosso grande pioneiro das HQs, com as Aventuras de Nhô Quim, em 1869.


Capa da edição fac-similada em comemoração
aos 150 anos do nascimento de Raphael Bordallo Pinheiro

Raphael Bordallo, além de ilustrações, caricaturas, desenhos e quadrinhos, tinha também uma fábrica de cerâmica e seus artefatos neste campo ficaram tão famosos quanto suas obras gráficas. Entre 1870 e 71, ele iniciou sua revolução na ilustração gráfica portuguesa nas revistas A Berlinda e O Binóculo.


Já em 1872, ele transpôs as fronteiras com seu álbum Apontamentos de Raphael Bordallo Pinheiro sobre a Picaresca Viagem do Imperador Rasilb pela Europa. "Rasilb" é um anagrama de "Brasil" e o personagem principal era o próprio Imperador Dom Pedro II, que passou parte considerável de seu longo reinado viajando pelo mundo, o que o tornou um alvo de chacota do artista português, liberal e anti-monarquista.

Ao lado de Eça de Queirós, Raphael Bordallo Pinheiro foi uma das grandes figuras da famosa "Geração de Setenta" (anos 70 do século XIX), que é considerada a grande criadora de caricaturas nacionais. Da criatividade de Eça surgiu o famoso Conselheiro Acácio; e de Raphael, o Zé Povinho, criado nas páginas da revista Lanterna Mágica, em 1874, e que tornou-se o maior acontecimento de toda a produção satírica portuguesa.

O Zé Povinho, até hoje, é um personagem emblemático, uma representação simbólica - ainda que caricatural - da personalidade lusa, desde o século XIX até os dias atuais. Só a respeito de Raphael Bordallo, foram publicados inúmeros livros e artigos; e sua contribuição para as artes gráficas encanta até hoje. Os quadrinhos portugueses foram muito precoces também no segmento infantil, com publicações como O Amigo da Infância, editada pela Igreja Evangélica Portuguesa, de 1874 a 1840; e Recreio Infantil, de 1874 a 1876.

Outras revistas para crianças foram: Jornal da Infância (1883), O Gafanhoto (1903). Aliás, neste último caso, o personagem homônimo, que deu nome à revista, tornou-se o primeiro grande herói dos quadrinhos infantis portugueses.

Por outro lado, no mesmo período, também já apareciam quadrinhos eróticos como A Chacota (1882) e O Pimpão (1879). O período que vai de 1910 a 1940 é considerado a era artística do quadrinho português. Isso quer dizer que as produções do gênero eram fruto de um trabalho individual aprimorado. Como grande exemplo destes tempos, citamos Stuart Carvalhais (1887 - 1961). Ele é considerado o verdadeiro criador dos quadrinhos portugueses quando publica, em 1915, a história de Quim e Manecas, na revista Século Comico.

Tratam-se das peripécias de dois malandros, tipicamente anarquistas juvenis; e seu aparecimento coincide com a mudança política do autor, quando abandona seus ideais monarquistas e passa a apoiar a república. Stuart Carvalhais era polivalente. Trabalhou em todos os setores de artes gráficas e, na área de quadrinhos, em praticamente todas as revistas e jornais de sua época.

Na década de 1920, aparece uma revista decisiva no cenário português, o ABC-zinho. Lançada por Stuart Carvalhais, contou com a preciosa colaboração de Cotinelli Telmo (1897 - 1948) e virou uma referência obrigatória para todos os que se interessam pelo quadrinho lusitano. Ainda mais influente do que o ABC-zinho foi O Mosquito, criado em 1936, e que durou até 1977. Nesta revista colaborou uma plêiade de grandes artistas, como Eduardo Teixeira Coelho (E.T.Coelho), José Garcez e Jayme Cortez.

A vez do público juvenil

O sucesso da revista infantil ABC-zinho fez ver aos editores a viabilidade de uma imprensa periódica juvenil. E, entre as décadas de 1920 e 1930, inúmeros títulos, uns duradouros, outros não, chegavam às mãos da moçada lusitana. Revistas como O Carlitos, O Senhor Doutor, e suplementos encartados nos jornais como Có-Có-Ró-Có (do Diário de Notícias) e Tic-Tac, eram publicadas em diversas cidades de Portugal, trazendo os maiores desenhistas deste período.

Além disso, nos anos compreendidos entre as duas Grandes Guerras, os próprios portugueses diziam que houve tanta proliferação de revistas humorísticas, quanto o número de tendências e partidos políticos. Na década de 1930, aparece a revista O Papagaio, da imprensa católica infantil, por onde passaram outros bons nomes do desenho, como Tom (um carioca que imigrou para Portugal aos 20 anos), José de Lemos, Júlio Resende, Arcindo Madeira e muitos outros.

Houve ainda dois acontecimentos que fizeram com que a produção de quadrinhos portugueses tomasse um rumo ainda mais firme. O primeiro foi durante a Segunda Guerra Mundial, na qual Portugal manteve neutralidade absoluta, mas proibiu a publicação de quadrinhos estrangeiros. Desta maneira, o país se manteve livre da avassaladora influência norte-americana, o que motivou o aparecimento de novos artistas e séries e difundiram hábitos de leitura.

Logo depois da vitória dos aliados, com o fortalecimento da ditadura salazarista, aprovou-se uma lei exigindo que 75% das histórias em quadrinhos publicadas fossem de origem portuguesa. Dessa maneira, não é preciso perguntar por que as histórias aos quadradinhos tiveram tanta força em Portugal, apesar da censura. Aliás, sabemos nós, aqui no Brasil, que a censura política aguça ainda mais o espírito criador dos artistas.

Mas nem todos os desenhistas sentiam-se muito felizes com o regime ditatorial, e um dos mais importantes deles, Jayme Cortez, resolveu imigrar para o Brasil, em 1947. Aqui, ele se tornou um grande mestre para muitos artistas brasileiros e trabalhou em diversos órgãos, além de dar assistência para jovens da época como Mauricio de Sousa.


Capa do álbum Aventuras de Manecas e Joao Manuel.
Sobre a exposição da obra de Stuart Carvalhais

Juntamente com Jayme Cortez veremos um grupo de desenhistas como Eduardo Teixeira Coelho, Fernando Bento, António Barata, José Rodrigues Neves, José Ruy, José Garcês e Vítor Péon, que consolidaram os quadrinhos em Portugal. O peso deles é tão forte, que a "Escola Portuguesa" das HQs começa aí.

2 comentários:

Freud disse...

Muito bom.

É um pena não ter exemplos de histórias dessa época em tamanho legível junto com o texto e tambem não ter os capítulos seguintes a essa matéria (pelo menos eu procurei e nâo achei la no UHQ, deve ter parado no primeiro só mesmo...).

José Batista disse...

Caros Amigos
Bisbilhotando o vosso blog acerca das Histórias aos Quadradinhos em Portugal, encontrei no texto algumas pequenas imprecisões fáceis de rectificar, de entre elas as seguintes: o jornal infantil "O Mosquito" teve início em 1 de Janeiro de 1936, publicou 1412 números, número este publicado em 24 de Fevereiro de 1952. Teve mais 4 sequelas, com o mesmo nome, na vã tentativa de o fazer reviver, mas todas elas falharam esse objectivo. Quando em portugal se faz referência ao "Mosquito", fala-se do fundado por António Cardoso Lopes e Raul Correia, e onde E. T. Coelho, Jayme Cortez, José Garcês, Vìtor Péon e josé Ruy, entre outros, colaboraram.
O regime ditatorial português não proibiu a publicação de quadrinhos estrangeiros, exigiu, isso sim, que os nomes de origem dos personagens fossem aportuguesados. Assim, Rip Kirby passou a chamar-se Ruben Quirino; Hopalong Cassidy, Corisco, o Vaqueiro; Cico Kid, Cisco, o Mexicano; Mandrake, D. Enigma, isto só para falar de alguns. Houve realmente uma imposição para que uma percentagem de originais portugueses fossem inseridos nas revistas publicadas, mas creio não ter ultrapassado os 30%, a qual foi simplesmente letra morta, nunca levada à prática, tal como aconteceu no Brasil.
Os jornais infantis, tal como acontecia a todas as outras publições, tinham de ter a aprovação da Comissão de Censura, sem o qual seriam apreendidas. O absurdo e o ridículo dessa comissão sobre as revistas em quadradinhos, era o exigir que nas vinhetas se anulassem as armas, ficando as personagens que as disparavam com o punho fechado, e o parceiro atingido, a cair, sem o leitor se aperceber porquê.
Em relação aos desenhadores portugueses de BD, como agora aqui lhes chamamos, houve outro nomes que tiveram o seu papel na consolidação dessa arte no nosso país, além dos acima citados. A lista seria extensa, mas referiria apenas mais alguns a quem os quadrinhos muito devem, tais como Júlio Gil, Carlos Alberto Santos, Augusto Trigo, José Pires, Baptista Mendes, Bixa, Victor Mesquita, Isabel Lobinho, José Carlos Fernandes, entre outros não menos importantes.
Conheci e convivi com muitos deles, amigos e colegas de longa data, mas actualmente estou retirado do activo, mas nem por isso menos amante dos quadrinhos.
Disponibilizarei, se o quiserem, imagens de jornais infantis que marcaram época no período de ouro da BD portuguesa a que se referem. 
Cordiais saudações.

                        José Batista