Tomei conhecimento do que era a tal “revolta da chibata” no período da escola, como todo mundo. No entanto, os professores nunca nos dão realmente o que queremos saber de qualquer parte da história, querem dar apenas os fatos e datas. E fatos e datas são muito chatos. Não falam dos personagens, quem eles eram porque eram assim, o que os motivava. Esse é o principal problema; fatos e datas são, em geral, frios. Talvez seja por isso que para muitos alunos história é uma matéria deveras maçante. Por essa razão gostaria que todos os professores de história tivessem acesso a Chibata!, que mata dois coelhos com uma cajadada só ao mostrar eventos históricos de forma mais detalhada e tornando a história do Brasil muito mais interessante e atraente.
Na noite de 22 de novembro de 1910, duas décadas depois da abolição da escravatura marinheiros negros, cansados dos maus tratos e de ainda serem humilhados e torturados como se não fossem gente, decidem se rebelar. Liderados por João Cândido, os marinheiros do Encouraçado Minas Gerais iniciam uma revolta que reverberaria em outros navios e forçaria o governo a aceitar as reivindicações dos marinheiros, trazendo um novo momento que seria uma conquista não só para os negros, mas para todo o povo brasileiro.
Mas isso é só parte da história. E o que se seguiu depois é algo que se pareceu muito pouco ou nada com uma vitória. Uma história que o povo esqueceu e que a marinha brasileira fez questão de esconder, apagar registros e colocar para debaixo do tapete. Mas que em anos mais recentes foi finalmente trazida de volta à luz, e em 2007 foi colocado na forma de quadrinhos e publicado pela editora Conrad.
Produzida pelos cearenses Olinto Gadelha (roteiro) e Hemeterio (arte), Chibata! João Cândido e a revolta que abalou o Brasil retrata, de forma inteligente e bastante dinâmica um período marcante da história do país e que muitos tentaram apagar da memória do povo. A história de João Cândido, a revolta e os acontecimentos que se sucederam a ela são explorados de forma magistral nesta hq, cuja narrativa não se prende à linearidade, indo e voltando no tempo, sem ficar confusa e nos dando uma visão impactante deste período singular.
Quando eu falo sobre o potencial dos quadrinhos nacionais, é exatamente de produções como Chibata! a que me refiro. Diferente de muitas HQs que se baseiam em momentos históricos, esta não foi feita sob encomenda pelo governo para ser distribuído nas escolas, o que é ótimo, pois assim a história pôde ser mostrada nua e crua, sem escolher os detalhes e sem decisões “de cima” do que seria ou não publicado.
Os elogios também vão para Conrad, que foi quem sugeriu o tema para a dupla criativa. Engraçado como muitos autores criticam as editoras por não publicarem muito material nacional, mas é importante citar aqui que Chibata! foi sugerida pela editora para os autores, pois ela queria publicar outros trabalhos deles (já haviam publicado outro em outra ocasião, com bom retorno de vendas – que não me lembro agora, desculpem). Ponto para a Conrad por incentivar o bom quadrinho nacional.
O álbum é todo em preto e branco, mas neste caso não tinha como ser diferente. A própria história exigia o uso do claro-escuro para demonstrar certas sutilezas que provavelmente se perderiam num álbum em cores. Fazer as páginas negras com bordas brancas, por exemplo foi um toque simples, mas genial.
Além disso, a arte de Hemeterio é simplesmente matadora, dando o clima necessário para a história e proporcionando nuances e entrelinhas que – para quem prestar atenção – engrandecem a obra, fazendo dela um marco na história das Hqs brasileiras.
Chibata! João Cândido e a revolta que abalou o Brasil pode ser encontrado nas livrarias pelo preço de R$ 39,90 (E acreditem, vale cada centavo). Se preferir, você pode ir à loja online da Conrad para adquirir a obra. E não, isto não é um post patrocinado (antes fosse), apenas sincero.
Nota: 9,8
8 comentários:
Falou tudo Rafael, é bom quando uma hq histórica é feita de forma mais solta, sem intervenções governamentistas, e asim poder mostrar melhor o fato.
Pena também que muita coisa de nossa história fique só nas datas e catalogação de escola, afinal, pq um Tiradentes, por exemplo, é um martir nacional? De verdade, não histórias superficiais de professores.
Olhai, interessante bagarai...
Lembro vagamente de ouvir falar dessa hq na época do lançamento mas não lembro de ter lido nada sobre ela e o review me animou..
A arte, pelas poucas imagens no post, me lembra um pouco o Corben, cujo estilo eu curto... Cacetada... vou morrer nessa grana....
(Me empresta ae via sedex que eu devolvo, Rafael, rs....)
Como professor de história devo dizer: professor que se prende em datas e não explica motivações é um bundão! "Mas o vestibular pede então...", então porra nenhuma! que o puto faça um cursinho ou cole de um amigo que fez!
Quando dei aula de tiradentes, até fotinha de ouro preto eu mostrei, usei o livro de Keneth Maxwell "A devassa da Devassa" como base e fiz uma aula toda "A verdade está algures" com eles...
Professor é um ser humano e humanos erram.
ps: Excelente matéria, vou passar para meus colegas historiadores.
Obrigado pelas palavras gentis, é um prazer saber que ainda estao falando - e gostando - do livro da gente.
Rafa tudo bem?
Gostei demais do seu post.
Gostaria também de assistir suas aulas de história, pois as minhas do ensino fundamental foram verdadeiros massacres a paciencia...
Ja no ensino médio eu nem ligava pra isso, resolvi fazer cursinho mesmo por conta própria e aprender.
Esta revolta foi muito interessante, pode ter certeza de que comprarei este livro.
Você ja viu o CASA GRANDE E SENZADA, do Gilberto Freyre, em quadrinhos?
Se puder dá uma olhadinha: http://www.travessa.com.br/CASA_GRANDE_SENZALA_EM_QUADRINHOS/artigo/C1A6FEDE-929C-48C2-A3D2-E8658D7A46EC&pcd=028
Olha só... Gente importante no blog!
Comecem a citar mais gente fodona, quem sabe...
Realmente, tive sorte de ter alguns bons professores de história, Camila, que se importavam em nos fazer entender o que havia por trás dos fatos. Mas na real sempre me interessei por historia, ams sempre preferi procurar por conta própria, gosto de aprender as coisas sozinho.
Sobre Casa grande e Senzala, ainda não li essa adaptação, mas ele está na minha listae leitura (embora eu coloque como prioridade hqs com histórias "originais")
Pois é.. nenhum review meu conseguiu essa proeza aqui de ser comentado pelo autor..
Ok, ok,.... TALVEZ o fato de eu nunca ter resenhado uma hq nacional tenha contribuido... um pouquinho... pra isso. :)
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