Uma obra que fala das tensões sociais urbanas de nossa sociedade moderna. Está é a promessa desde a sua orelha de Encruzilhada, e Marcelo d'Salete não nos dá menos que isso.
Pelas páginas da história em quadrinhos nos deparamos com um ambiente que pode muito bem ser São Paulo, como qualquer metrópole nos dias de hoje, repleta de malandros, policiais, meninos de rua, vendedores de pirataria e um caldeirão humano preste a explodir. Contudo, e inteligentemente, o autor não mostra essa explosão, ou ainda sensacionaliza em cima das conseqüências possíveis dela – como é comum vermos em programas policiais.
Na contramão do comum, d'Salete no mostra exatamente essa tensão social, as desconfianças dos personagens urbanos entre si, as relações cheias de obstáculos, incompletudes e até mesmo certa dose de esperança e humanismo em meio ao tom cinza da bela arte da revista.
A edição é dividida em cinco histórias: Sonhos; 93079482; Corrente; Brother e Encruzilhada, trazendo temas até bem conhecidos de outras obras tanto em quadrinhos quanto cinema, música e TV, como os meninos de rua pré-julgados pela polícia, o viciado que rouba para comprar drogas, preconceito que leva um jovem negro a ser preso por engano ou ainda a prostituta observada pelo seu vizinho em uma relação um tanto quanto platônica.
O charme das histórias é mais como o Marcelo trabalha esses temas, muitas vezes utilizando mais de imagens em detrimento do texto para passar uma sensação de “silêncio”, isto é, se podemos considerar sem “sons” realmente imagens que representam ruas, movimentos de pessoas e olhares sobre o cotidiano. Pelo menos em minha mente muito barulho, seja sonoro ou psicológico, reverberou da leitura de tais desenhos.
Outra coisa que me chamou atenção em Encruzilhada foi o uso de marcas conhecidas do nosso dia-a-dia em fachadas, garrafas, celulares e afins. Normalmente desenhistas buscam fugir de ícones ou marcas reais em suas histórias, acredito que até com a intenção de não ligar a obra a publicidades, empresas ou ainda por uma liberdade artística. D'Salete faz questão de por um símbolo de uma empresa de celulares bem em destaque, assim como de franquias de fast food, refrigerantes, etc., no intuito de retratar de fato a vida urbana como ela é, com os costumes de consumo principalmente da população periférica, afinal, não é porque não se tem tanto dinheiro que não se pode querer o que todo mundo quer.
Tenho também que ressaltar o bom trabalho de editoração feita pela Editora Leya, que adentrou bem no universo criado dentro das histórias e colocou não só uma capa com material diferenciado, lembrando, pelo menos pra mim, papel utilizado em panfletos mais caseiros ou ainda papelão, como também um tamanho que valoriza os desenhos sem ser exageradamente grande. Além disso, podemos contar com um belo prefácio do música e ativista social Marcelo Yuka.
"O traço é sujo e poético. É Repleto de uma escuridão, de uma dinâmica que remete inevitavelmente a asfixia urbana e o convívio imagético do cinema, da TV, das artes de Rua na criação de um universo jovem contundido pelo desemprego e pelo acaso cruel das grandes cidades" - Trecho do prefácio
Encruzilhada é uma obra não só contemporânea, mas também crítica, reflexiva e importante para a discussão não só dos embates sociais que vivemos como também da função das histórias em quadrinhos como mídia nesse debate. Um trabalho mais que recomendado.
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Um comentário:
Bom review, Marcelo!
Gosto muito da oportunidade de conhecer novas obras acompanhando seus textos.
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