1960, o mundo vivia o auge da Guerra Fria, nos quadrinhos surge o Homem de Ferro forjado em meio a uma guerra perdida para os americanos: A guerra do Vietnã. 2003, os Estados Unidos se metem novamente em uma guerra especializada, a do Iraque, dessa vez saindo vitoriosos. Apesar da teórica vitória, o mundo inteiro, e muitos no próprio Estados Unidos, ficou contra a empreitada em território do Oriente Médio.
A missão se mostrava como salvadora de um povo, defensora de um ideal, mas, até onde os fins justificam os meios? Foi com esse pensamento que Mark Millar e a Marvel Comics criaram uma das sagas mais interessantes e revolucionárias do Universo 616: Guerra Civil, e, com ela, trouxeram um novo tempo para o Homem de Ferro, um herói criado na guerra, símbolo de guerra, que perdia seu significado em tempos de paz.
A missão se mostrava como salvadora de um povo, defensora de um ideal, mas, até onde os fins justificam os meios? Foi com esse pensamento que Mark Millar e a Marvel Comics criaram uma das sagas mais interessantes e revolucionárias do Universo 616: Guerra Civil, e, com ela, trouxeram um novo tempo para o Homem de Ferro, um herói criado na guerra, símbolo de guerra, que perdia seu significado em tempos de paz.
Como transportar para os quadrinhos as discussões político-sociais que fervilhavam em nosso mundo? Como resituar os super-heróis em um mundo de atentados terroristas e descrença nos salvadores? Millar fez isso trazendo o conflito para o quintal da America do Norte, jogando a culpa de seus males para eles mesmos, no caso, os super-heróis. Para tanto, mexeu no status quo do Universo que tinha em mãos e nas relações pessoais desse macrocosmo.
O plot, algo tão cotidiano, em moda, como também complicado. Se em nosso mundo celebridades surgem há todo momento e de toda forma, em um mundo de heróis isso não seria diferente, não é? Quando os Novos Guerreiros descobrem o esconderijo de quatro fugitivos eles tentam ganhar audiência para seu reality show enfrentando os vilões. O que não esperavam era a enorme explosão causada por um dos vilões que mata centenas de pessoas, incluindo dezenas de crianças que estavam na escola ao lado.
Entendamos, mortes colaterais por lutas entre heróis e vilões sempre ocorreram, porém, nunca foram tratadas com devida realidade – tudo era simplificado e esquecido logo uma edição se passasse. Nesse caso foi diferente, tudo foi trabalhado para gerar uma situação de revolta da população contra os abusos dos chamados heróis. Após esse desastre, um importante assunto foi de novo levado a mesas do Congresso Nacional Norte-Americano: A Lei de Registro de Super-Humanos, afinal, se policiais precisam de registro e treinamento, porque não super-heróis?
Esse pensamento gerou um dilema para o clã dos heróis: Aderir à lei ou ir contra ela e se tornar um criminosoprocurado? Inteligentemente, Mark Millar colocou aquele que todos poderiam achar que aceitaria de bom grado as decisões governamentais contra o governo. Steve Rogers, o Capitão América, foi o primeiro a se negar a ter o direito de liberdade negado com a obrigação de se expor ao mundo. Com um símbolo nacional contra seu próprio governo e liderando uma revolta heroística, era preciso se ter um algoz com a força necessária para tanto. Com uma guerra em eminência de acontecer, Tony Stark, a essa altura alçado ao posto de gênio bélico e estratégico, foi convocado a ser o rosto a favor da Lei de Registro.
Mas, não foi só o governo que convocou Tony Stark, ele se autodispôs. Após ser agredido pela a mãe de uma criança morta no acidente, Stark viu que mais do que nunca, ele deveria apoiar a iminente lei e fazer algo para mudar o futuro do mundo. Assim, Millar colocava o Homem de Ferro não só como um herói para brigas de rua, mas sim, um alguém que acreditava fortemente que poderia mudar o mundo com sua mente, com seus planos e precisava fazer os companheiros de batalha entenderem isso. Contudo, convenhamos, Stark não estava ali só por altruísmo, mas também porque agora seria alguém a mais, não só um herói, isso alimentava muito bem o seu ego, um simbolismo que não visão de Millar era o próprio americano, arrogante, achando que pode salvar todo o mundo.
Esse momento da história do Homem de Ferro foi sua grande reviravolta, alçou o personagem novamente ao primeiro escalão da editora, liderando a S.H.I.E.L.D., organizado a Iniciativa – projeto de criação, treinamento e organização de uma defesa nacional composta por super-heróis – preparando estratégias que iam até cinqüenta anos no futuro, dando-lhe participação em mais revistas. Em suma, tornando o personagem em alguém central. Stark desde então manteve-se nesse posto, mesmo depois de enfrentar seu melhor amigo em luta campal no meio de Nova York, ter se tornado pessoa non grata por muitos colegas heróis, ele seguiu acreditando que tudo era por uma boa causa, que no futuro aquilo tudo se justificaria.
Para mim, esse período da Marvel foi o mais criativo e filosófico dos últimos 20 anos. Para o Homem de Ferro, a saga trouxe a discussão de se seria correto trair seus amigos, impor regras, atacar a todos como terroristas por um bem maior? Era a critica ácida de Millar a situação dos Estados Unidos naquele período e suas guerras “cirúrgicas”, atos de vigilantismo internos iniciados pós 11 de setembro, e sobre o papel do heroísmo em tempos onde a realidade parecia mais ficção. Como ser herói quando você mesmo erra, quando o perigo pode vir de qualquer lugar, quando confiar demais em seu julgamento pode trazer conseqüências muito graves?
Tony Stark tomou um lado, lutou para mostrar aos outros e defender a importância desse lado, venceu o quebra de braço, porém, descobriu depois que ações totalitárias e arrogantes trazem conseqüências, cegam para os pequenos detalhes ao redor e abrem brechas para os inimigos o destruírem. Logo vem uma derrocada aqui, uma invasão ali, e você que era o Grande Irmão se torna o homem mais procurado do mundo. Stark no após a Guerra Civil aprendeu que ser herói não é nada fácil, ainda mais quando se está em um pedestal e gosta disso.
A Seguir: Em um mundo de super-heróis até onde vai a ética? Crise de Identidade.
6 comentários:
Eis que o jornalista do sotaque mais chique nos surpreende novamente (para quem não entendeu a piada veja o meu comentário no Podcast 2...rs).
Muito bem construido o seu texto, envolvendo os preceitos reais da criação dos super heróis. Usarei este texto com meus alunos numa aula de Interpretação e Produção de Textos. (Posso?)
É importante tanto para resgatar a memória dos quadrinhos quanto para estudar um pouquinho mais sobre as bases da cultura e criatividade do povo norte americano (principalmente).
Um grande abraço a todos do blog.
(estou voltando, bem devagar)
Uau! Primeiro Guerra Civil e depois Crise de Identidade? Dois temas de peso, hein?
Sobre Guerra Civil... mesmo quando eu era pequenininha, já perguntava ao falecido papai nerd o que acontecia com as pessoas do prédio que estava no meio da briga de um herói com um vilão.
Millar foi superfeliz em pegar a paranoia americana pós-11/09 e transformar num roteiro de quadrinhos de heróis. O que fazer quando aqueles que deviam defender você causam a tragédia? Quem é o cara que você vai processar por ter arremessado um carro na vitrine da sua loja recém-inaugurada? Até onde a população em geral está disposta a abrir mão do direito à privacidade e ao de ir e vir, em nome da segurança nacional? Em Guerra Civil, não há super-heróis ou super-vilões. Há o medo versus o pragmatismo.
Confesso que - mesmo sendo eternamente devotada ao Tony - me vi num dilema ao ler Guerra Civil. Um lado meu concordava com a lei e outro lado entendia a posição do Capitão sobre expôr parentes e amigos dos heróis.
No final, desencanei... era apenas uma história de heróis com o intuito de fazer pensar um pouco e divertir as pessoas. Foi legal ver como a Marvel conduziu as consequencias da vitória pró-registro. Só lamento mesmo o fato de que uma saga tão boa quanto Guerra Civil tenha tido como sequência a meleca da Invasão Secreta!
Ufa! Escrevi demais!
ótimo texto! uma análise assim é dificil de ser encontrada em sites especializados 'só' em quadrinhos.
Agora... mesmo depois de várias fanfarronadas e de escritores tentados a 'vilanizar' o homem de ferro durante a guerra civil e ssuas histórias subsequentes, eu ainda acho que, em princípio, a posição do vingador dourado é a mais sensata.
Com certeza, se existissem serem superpoderosos, alguma forma de registro e treinamento dessas pessoas seria imperativa. Nesses casos, a analogia com armas de fogo é a mais correta: necessitam de registro e não é qualquer um que pode portar uma. Além disso, não é permitido nem tampouco moralmente aceito, dentro do pacto social hoje vigente, que qualuer um possa sair armado pelas ruas fazendo justiça.
A questão da liberdade, defendida pelo capitão, deve ser ponderada, mas até que ponto vai a liberdade de um indivíduo? Será que é justo com toda uma sociedade que a única forma de controle dos supers é ó código de moral inato de cada um?
Debate filosófico, indeeed!
Alguém concorda? discorda?
Pois é Guto, acho uma pena as consequencias pos-guerra civil terem acabado tão rapido por conta da Invasão Secreta. Plots como uma policia super-humana local em uma cidade, por exemplo, do interior americano seria interessante de se ver.
Não acho que vc se achar moralmente certo ser o unico codigo de conduta de um vigilante, tanto que vemos grupos de exterminio e milicias por aí fazendo o que acham moralmente estar certo.
O que eu quis dizer é que só o código moral de cada vigilante não é suficiente para dar segurança a toda a sociedade quanto aos atos desses seres superpoderosos.
Não sei pq o da surpresa do Capitas ser contra,apesar de ele carregar a bandeira no peito,inumeras vezes foi contra as ações do governo.
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