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quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Bastardo Inglórios

DE FORA DA PANELA

Mais um review de Bastardos Inglórios na área!! Depois de lermos um aqui pelo Jonathan Rodrigues, chegou a vez do nosso camarada Inferno falar sobre o mais recente filme do Samuel Rosa Tarantino. Confere ai!!

Tarantino é um cara que sabe mexer com o espectador. Quer dizer, mexer não, ele sabe brincar com o espectador, domina a técnica, é um cinéfilo, adora rechear seus filmes com as referências mais obscuras de filmes que ele assistia quando trabalhava em uma locadora e passava sua vida vendo filmes antigos. Tarantino é um autodidata que ama o cinema, ama fazer cinema, mas então por que ele fez Bastardos Inglórios? Sim, porque Bastardos Inglórios não é uma ode de amor ao cinema, é praticamente o oposto de Cinema Paradiso ou de O Ladrão de Bicicletas, por exemplo.

O filme de Tarantino faz bom uso das técnicas cinematográficas, como já dito. Por exemplo nas cenas iniciais na casa do fazendeiro ou na cena do bar, ele cria um clima de suspense e angústia capaz de fazer qualquer um se remexer na cadeira. Ele é bom nisso, sabe jogar com as expectativas e emoções da platéia, sabe contar uma boa história, sabe conduzir uma trama com início, meio, clímax e fim, algo tão básico mas que ultimamente tem sido tão difícil de encontrar com qualidade. Só isso já faria o espectador ficar feliz sabendo que vai ter diversão com qualidade, mas para Tarantino isso é pouco, ele queria mais, e o que ele fez a mais? Não percam o próximo capítulo, quer dizer, parágrafo.

Quando escrevi que Tarantino não fez um filme de amor ao cinema eu não estava brincando: primeiro no filme não há heróis, aliás, mais do que isso, ele faz os nazistas de vítimas. Sim, vítimas, isso mesmo, na trama um grupo de judeus é recrutado para uma Companhia do Exército Americano denominada Bastardos Inglórios com a singela missão de caçar nazistas como animais, matá-los e lhes arrancar o escalpo. E os poucos que sobrevivem ao encontro com os Bastardos são marcados com uma suástica feita a faca no meio da testa e só sobrevivem porque os Bastardos querem que os sobreviventes contem a história terrível e espalhem o terror entre os nazis. Ao mesmo tempo que nos diverte vendo nazistas sofrerem, e a câmera várias vezes fica no ponto de vista do nazista torturado, não dá pra não pensar no que é aquilo, no que significa aquilo. Militarmente não havia nenhum ganho nas missões dessa Companhia, esses soldados só servem para instigar o medo nos alemães e praticar atos de vingança pura e simples. Tem farda do Exército alemão? Morra. Tem uma suástica no peito? Vai morrer escalpelado a sangue frio.

Simples assim. Sadismo puro, só comparável ao que os alemães da vida real infligiram aos judeus nos campos de concentração.

E se os judeus do filme cometem atrocidades como fizeram os alemães da vida real, o que confere aos judeus do filme o status de heróis do filme? No filme de Tarantino os nazistas são nazistas mas os judeus são levados à condição de novos nazistas, é um filme de lobos comendo lobos. Não estou com isso fazendo juízo de valor dizendo que Tarantino está errado em retratar a guerra dessa forma, não é isso, o que me espanta é que as pessoas que viram o filme não perceberam que se trata o mal sendo combatido com o mal, é a Lei de Talião elevada à terceira potência, e isso foge inteiramente ao básico do que é feito em cinema em que se conta a história de mocinhos contra vilões, o bem contra o mal. Nesse filme não existe o bem, só o mal e de forma muito realista. Isso é bom? É ruim? Sei lá.

Insistindo na tese de que o filme não é uma declaração de amor ao cinema apesar de tantas referências embutidas na história relativas a filmes e atores europeus daquela época, Tarantino faz os fins justificarem os meios da pior forma: como meio de matar o maior número possível de nazistas a ‘mocinha’ do filme (se é que podemos chamá-la assim) aproveita uma sessão de um filme pró nazista em que temos a presença de Adolf Hitler como convidado de honra, pega todo o acervo de filmes do cinema, tranca as portas de saída e incendeia o cinema (desculpem pelo spoiler), matando todos que estão dentro. Ela também morre e o seu namorado afro negão cúmplice também. Todos morrem, quem não morre queimado ou pisoteado morre alvejado pela cortina de balas disparadas pelos Bastardos infiltrados no cinema que deliram de prazer enquanto metralham a multidão. Só não morre o alemão traíra que percebe a jogada toda mas prefere ficar calado e negociar asilo político nos EUA, não sem antes ganhar um ‘brinde’ dos Bastardos. E aí vem a pergunta: o cara é cinéfilo assumido e faz um filme onde a forma de se combater o mal é destruindo um precioso acervo de filmes raros, aproveitando que os rolos de filme são altamente inflamáveis, para destruir um cinema inteiro? Parece um recado de que os fins justificam os meios ou de que ‘tudo vale a pena se a alma não é pequena’, não entendi muito bem o que Tarantino quis dizer com isso, só sei que, segundo o filme, o churrasquinho de nazistas no filme resultou no fim da guerra. A cultura perdeu mas a guerra acabou. Valeu a pena? Certamente se essa situação tivesse acontecido na vida real teria valido muito a pena, assim como valeria a pena ver um nazista sofrer na própria pele o que milhares de vítimas deles sofriam todos os dias. Mas não se trata de mundo real, é um filme, um filme no qual Tarantino criou uma história de realismo fantástico permeado por valores do nosso cotidiano real. Ou pela falta deles.

Como falhas posso apontar o mal elaborado gancho para incluir na trama o espião britânico, muito mal feito, onde aparece um Churchill sentado numa cadeira no canto da sala como um burocrata qualquer, logo ele que foi para a superfície das ruas de Londres bombardeada conclamar os ingleses à luta enquanto a família real se escondia como ratos no subsolo. Também há umas imprecisões históricas a respeito do cinema alemão na época da guerra, mas nada que seja percebido pela maioria.

Enfim, é um filme que faz pensar, que mostra uma crueldade e perversidade muito próximas do real, bem diferente do sadismo cinematográfico que se faz hoje em dia; não confundam com bobagens como Jogos Mortais, Albergue e afins, que mostram sangue e tripas a torto e a direito mas que não conseguem nem arranhar a casquinha do mundo real. Você assiste aquilo tendo plena consciência de que é tudo fake, tão verdadeiro quanto nota de 3 reais. Bastardos Inglórios não, você assiste cenas que poderiam sim ter feito parte da guerra e mudado a história da humanidade, além de cenas de sadismo puro que fazem parte do cotidiano do mundo real, a diferença é que no filme em vez de nos chocar esse sadismo nos satisfaz.
É um filme imperdível, estranho, mas imperdível.

Inferno em outra encarnação matou muitos nazistas. Por puro prazer.

abcs

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