Apresentador: Você é comunista, não?
Violeta: Eu? Imagina! Sou tão comunista que, se eu levar um tiro, sangro vermelho.
Apresentador: Eu também sangro vermelho.
Violeta: Então toca aqui, camarada.
Um dos meus gostos musicais mais inusitados (depois do sertanejo e do brega) é a música latina, em especial a música folclórica latinoamericana, que eu conheci inicialmente através de um grupo brasileiro chamado Tarancón, que nos anos 70 cantava músicas folclóricas de diversos países como Chile, Peru, Bolívia e por aí vai (e que teve, entre seus membros, artistas como Milton Nascimento), e cujo LP sobreviveu ao tempo lá em casa e chegou até minhas mãos quando era adolescente. Foi através do Tarancón que eu conheci Violeta Parra, cantora chilena que foi a primeira latina a expor no Louvre, considerada figura chave do folclore chileno e a mãe da canção comprometida com a luta dos oprimidos e explorados, que nos deixou uma discografia que reflete, não só a sua vida, mas a cultura em que ela estava inserida.
A música de Violeta Parra possui uma característica, também comum ao sertanejo antigo, que me atrai muito: o narrar as mazelas da vida, seja da própria ou de outras, recorrendo à rima para dramatizar e contextualizar alegrias, dores, amores e arrependimentos. Mas Violeta vai além, criando, em suas canções, uma poesia simples em palavras, profunda em versos e complexa em significados. Todo o lirismo, a complexidade, dramaticidade e paradoxos da música de Violeta Parra é captada de forma impactante pelo diretor Andrés Wood, que dirige Violeta se fue para lo cielos (Violeta foi para o céu).
Embora Violeta tenha alegrado gerações desde sua época até hoje (eu sequer era nascido quando ela morreu), sendo constantemente redescoberta, sua vida foi um sem número de lutas, vitórias, tragédias e fracassos, num vai e vem, tanto geográfico quanto mental que moldou uma mulher difícil, impossível de se ignorar e inevitável de se apaixonar. E é justamente este vai e vem que é aproveitado pelo diretor, que aborda de forma completamente não linear (e difícil de acompanhar em algumas ocasiões) a vida da artista, não só para nos envolver, mas também para mostrar a complexidade cativante e a personalidade forte que existia por trás da cantora, poetisa, compositora e artista plástica.
Aqueles que procurarem o filme para conhecer um pouco mais da história e do contexto onde ela viveu, podem se decepcionar: Embora ele perpasse por diversos momentos da vida e da carreira da artista, incluindo sua luta pelo resgate e pela difusão da cultura chilena, ele não é nem um pouco didático, e precisará do engajamento e do esforço do espectador para a compreensão total da história.
Além disso, o filme é feito de uma forma bastante subjetiva, apresentando a vida de Violeta de forma quase atemporal, não fosse a entrevista que ela concede a TV e que pontua diversos acontecimentos ao longo do filme e é o mais próximo de “didatismo” que temos na película. Assim, o diretor está muito mais interessado em nos jogar para dentro da mente da artista do que propriamente criar um registro histórico ou documental. O que você vai ver em Violeta vai para o Céu é uma tentativa de nos fazer viver a vida dela, quase que literalmente.
Não dá para esquecer de citar a atuação de Francisca Gavilán, que interpreta a protagonista de forma impressionante, encarnando Violeta Parra tão profundamente que fica difícil lembrar que ela não é, de fato, a verdadeira artista. Embora a atuação de outros personagens não deva ser ignorada (pois também foram competentes), a protagonista rouba a cena por ter um filme que basicamente orbita ao redor dela o tempo inteiro e, mesmo assim, não nos cansamos de vê-la na tela.
O filme é baseado no livro de Ángel Parra que, além de ser filho da artista, também é, assim como sua Irmã Isabel, um grande nome da música chilena e quem resguardou o legado e memória da mãe. O filme foi vencedor do Sundance Film Festival de 2012 como Melhor Filme e do Prêmio do Público em Toulouse - Latin American Film Festival.
Eu não gosto de dar notas para filmes, por conta do reducionismo involuntário na classificação, mas esse filme merece, sem dúvidas, um 10.
Título original: Violeta se fue a los cielos
Direção: Andrés Wood
Roteiro: Eliseo Altunaga, Rodrigo Bazaes, Guillermo Calderón e Madeira Andrés
Produção Executiva: Patricio Pereira, Pablo Rovito, Fernando Sokolowicz, Denise Gomes e Paula Cosenza
Fotografia: Miguel Littin Ioan (AEC)
Música: Violeta Parra
Gênero: Drama
País: Chile, França, Argentina e Brasil.
Ano: 2011
Tempo: 110 min.
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