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segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Deus, um Delírio

Uaréview
Por Rafael Rodrigues


"Não é o bastante ver que um jardim é bonito sem ter que acreditar também que há fadas escondidas nele?"


O título deste post é provocativo, eu sei. Mas não podia ser diferente, pois é o título de um livro ainda mais provocativo, o que torna esta resenha, além de também provocativa, talvez um pouco controversa. Mas não tem como escapar: É exatamente disso que se trata Deus, um Delírio.


Falar sobre religião, não importa dentro de que grupo (pode ser de pessoas de baixa renda que não tiveram educação adequada ou pessoas cultas que estudaram nas melhores universidades do mundo), é sempre pisar em ovos. Isso porque, muito embora tenhamos evoluído para perceber os mitos antigos como alegorias para as explicações de mundo às quais não tínhamos capacidade de entender e saibamos disso por fato, é muito difícil para as pessoas não levarem qualquer questionamento religioso para o lado pessoal. Talvez seja porque Deus é uma resposta fácil aos questionamentos humanos, o que deve agradar a muitos que não gostam de pensar; para outros, pode ser um sentimento mais profundo e incontestável, e ainda podemos contar uma parcela significativa de pessoas que entendem o conceito de Deus em termos científicos – afinal de contas, deixando de lado o contexto religioso, a existência de um criador para o universo é uma hipótese a ser considerada, independente dela ser mais ou menos provável.

Falar sobre religião na internet então, que conta com uma infinidade de pessoas que, pelo simples fatos de poder esconder suas identidades atrás de uma tela de computador, ganham coragem para desferir os mais variados tipos de impropérios sem nem ao menos tentar interpretar o que foi dito, é uma tarefa de certa forma ingrata. Apesar de eu ter tido a sorte de contar com leitores e comentaristas, dentre teístas e não teístas, coerentes e intelectualizados o suficiente para garantir uma ótima discussão na resenha de Nosso Lar, Pedro de Biasi, no site Pipoca Combo, não teve a mesma sorte e sua resenha, que foi estritamente profissional e se concentrou na crítica ao filme, teve de encarar comentários atravessados de gente que provavelmente leu a crítica e não a interpretou corretamente. Ou talvez sejam pessoas que não estejam acostumadas a ser contrariadas, e entram em colapso quando isso acontece. Em qualquer um dos casos, fiquei chateado de ler uma boa e imparcial crítica sobre o filme, e ter de ler comentários de gente que aparentemente vêem qualquer coisa como uma ameaça à sua crença. Infelizmente, esse cenário é lugar-comum na internet (e na vida real também, mas isso não vem ao caso agora).

Estes dois parágrafos, acreditem, são apenas uma introdução para expressar os motivos que me levaram a fazer uma resenha deste livro que tem gerado polêmicas por onde passa e que chegou ao Brasil recentemente: Deus, um Delírio (The God Delusion, no original), de Richard Dawkins.

Para quem não conhece, Richard Dawkins é um biólogo (na verdade Zoólogo e Etólogo, mas estas delimitações são irrelevantes, embora dêem mais credibilidade) renomado e respeitado na comunidade científica. Autor de vários livros, entre os quais o Gene Egoísta (o mais famoso, que muitos leram, poucos entenderam e apenas alguns gatos pingados souberam interpretar adequadamente), ele é mais conhecido atualmente por sua postura crítica quanto às religiões. Em Deus, um Delírio, Dawkins traz uma visão bastante apurada da sociedade moderna e das nossas relações com as instituições e crenças religiosas fazendo diversas perguntas e propondo alternativas para as principais questões relativas ao tema: Deus Existe? A Evolução explica tudo? O cientista, que acredita na ciência como forma de conhecer a verdade, não é tão fundamentalista quanto o religioso, já que tem convicção do conhecimento científico como instrumento para se chegar à verdade? Sem Deus, o mundo não ficaria pior? É possível ser bom sem Deus? Hitler era ateu? Como é possível ser feliz sem Deus para dar um propósito à nossa vida?

São estas e várias outras indagações típicas que conduzem o livro que, sendo pró-ateísmo, obviamente contesta todas as respostas atribuídas à providência divina. Escrito com o objetivo óbvio de ser uma alternativa para aqueles que não simpatizam com nenhuma religião num mundo onde a maioria esmagadora possui convicção em alguma, Deus um Delírio tenta demonstrar que ser ateu não é vergonhoso quanto as pessoas gostam de apontar. Muito pelo contrário; é um atestado de sanidade.

O livro se foca principalmente nas três “principais” religiões monoteístas (Cristianismo, Judaísmo e Islamismo), para demonstrar o quanto estas crenças são frágeis se colocadas à luz de uma análise crítica, ponderação racional e da relatividade histórico-social, evidenciando o quão absurdo o absolutismo religioso deveria soar hoje para a maioria das pessoas, embora isso não aconteça. Dawkins vai além e não critica apenas os fanáticos fundamentalistas, mas principalmente a religião propriamente dita, defendendo que o fundamentalismo é um subproduto direto da religião, seja ela moderada ou não. Além disso, defende a que as crianças sejam educadas para pensar por si mesmas e deixem de ser rotuladas de “crianças cristãs”, “crianças muçulmanas”, uma vez que elas não têm idade suficiente para saber no que acreditar (e que decidam suas inclinações, religiosas ou não, quando tiverem maturidade para isso).

Talvez alguns brasileiros com mais “mente aberta” (se é que esta terminologia cabe aqui) vão achar exagerados alguns pontos do livro, focando fortemente em temas como o criacionismo por exemplo. O motivo para isso é que o livro se baseia principalmente nas pesquisas, análises e experiência do autor em países de primeiro mundo, em especial a região da Grã-Bretanha e os EUA, que são países onde a religião é muito forte e inclusive é responsável por determinar muitas decisões políticas (tendo até hoje debates calorosos sobre o ensino ou não do criacionismo nas escolas, em detrimento da evolução pela seleção natural). Embora situações semelhantes tenham ocorrido recentemente durante as eleições por aqui, não é algo tão comum num país que tem o Espiritismo e a Umbanda como doutrinas praticadas por milhões de brasileiros e onde, pelo menos aparentemente, a liberdade religiosa ainda é muito maior do que países desenvolvidos que supostamente deveriam ser mais liberais.

Deus, um Delírio deve ser lido, então, como uma resposta à nações predominantemente religiosas e onde essa predominância interfere em questões sociais e pessoais relevantes, como aborto, homossexualidade, preconceito, educação, liberdade e amor à vida (que, abrindo um parêntese, Dawkins descreve bem no livro a visão reducionista da expressão pela maioria dos religiosos, onde amor à vida = amor à vida humana). E ainda consegue nos fazer ver os pontos positivos da religião, onde ela deveria se encaixar na sociedade como deveríamos aproveitá-la, além de uma descrição entusiasmada sobre as descobertas científicas e a complexidade da vida, numa verdadeira declaração de amor à ciência e à racionalidade humana.

Obviamente, um leitor mais crítico pode discordar de alguns pontos colocados pelo autor (como no meu caso), mas não é por isso que a obra perderá seu valor. Diferente das Escrituras, esse não é um livro que se suponha que deva ser levado como verdade absoluta, então não vai haver uma chuva de fogo e enxofre ou uma turba de fanáticos pela evolução querendo, literalmente, sua pele se você discordar racionalmente. Mas vai fazer com que você exercite o maior dom que o ser humano possui: Pensar.

Tiras geniais de Carlos Ruas no site Um Sábado Qualquer


No fim das contas, correndo o risco de parecer segregatório com os leitores, Deus, um Delírio não é recomendado para teístas, nem crentes de alguma religião. É sério. Sejamos realistas, fé é um tipo de convicção que, se você já é adulto e continua com ela, não vai desaparecer por conta de um livro. No máximo, vai fazer você ficar irritado com o autor, o que não vai adiantar nada, uma vez que ele é mais respeitado que você (inclusive por diversos teólogos). Em contrapartida, recomendo fortemente o livro para os que estão “em cima do muro”, aqueles que não se interessam por ou não se encaixam em nenhuma religião, que tem dúvidas sobre a existência de uma divindade ou que já descrêem dele, mas tem vergonha ou medo de admitir isso em uma sociedade predominantemente religiosa.

Deus, um Delírio foi lançado aqui pela Companhia das Letras ao preço de R$ 59,90 (Sim, é um valor meio alto, por isso mesmo não recomendei à todos os tipos de leitor, afinal gastar 60 paus num livro que vai contra o que você acredita não deve ser legal). Um livro impressionante, polêmico, provocador, inteligente e crítico, que merece ser lido. Mas tente não levar para o lado pessoal.

Em tempo: O livro é dedicado ao autor Douglas Adams, que escreveu O Guia do Mochileiro das Galáxias, de quem Hawkins era, além de amigo, grande admirador (e também o autor da frase no início deste post).

Nota: 9,13


Rafael não é ateu por convicção, por decepção ou por revelação, mas sim por conclusão.

15 comentários:

Marcelo Soares disse...

Ótima resenha e indicação Rafael, pena que o livro é novo e seja caro, senão ia atrás num sebo rsrs.

Ouvi esse fim de semana um argumento dito por um evangélico constestando religião, mas no caso o cristianismo, mas que se aplica a todas para mim. Ele disse que o cristianismo hoje já não tem a mesma força que antes porque as pessoas de hoje pensam e agem diferente da idade média por exemplo, tem novos conhecimentos e percepções de mundo para se deixarem aprisionar pode dogmas. Bem, era para ser assim, mas vemos que não é geral, quando não pe cristão é outra coisa, mas a logica a mesma.

Para mim, esse argumento serve para todas pq com o tanto de acesso a conhecimento histórico, cientifico e etc. é inconcebivel se levar a sério, ao pé da letra como muitos levam, os dogmas religiosos e seus livros sagrados. Eu não tenho religião exatamente por entender isso, mas não deixo de acreditar numa força que movimento o universo e nossas vidas,não do jeito de um senhor de barbas que mexa em tudo como um tabuleiro de xadrez, mas algo mais energético, afinal a ciencia ja diz: a toda reação se traz uma ação igual e contrária, e pq isso não se aplicaria em nossa vida, no jeito que a levamos e aos coisas ao nosso redor?

Os orientais chamam de ki, chi e afins, os cristaos de alma, os esotéricos de aura, penso ser tudo uma coisa só: uma energia que se movimenta por tudo e que não criou regras para fanáticos seguirem e matarem por ela, julgarem por ela, e serem presos por ela.

Rafael Rodrigues disse...

Concordo Marcelo, como eu disse, A existência de Deus como sendo um criador inteligente é uma hipótese científica como outra qualquer, independente de sua maior ou menor probabilidade.

E eu acho que o grande problemas de muitas pessoas é achar qeu Religião e Deus são indissociáveis quando, em muitos aspectos, eles podem ser até opostos...

João A N Vissoci disse...

"Os orientais chamam de ki, chi e afins, os cristaos de alma, os esotéricos de aura, penso ser tudo uma coisa só: uma energia que se movimenta por tudo e que não criou regras para fanáticos seguirem e matarem por ela, julgarem por ela, e serem presos por ela. "

eu chamo de Força!!!

Alex Matos disse...

Eu chamo de Alex Matos

Freud disse...

Um crítica séria e embasada como essa merece um comentário no mesmo nível, afinal trata de uma das questões mais importantes da humanidade. Com base nisso gostaria de acrescentar que, quando o Sr Rafael Rodrigues indica o livro para os que estão em cima do muro, ISSO PEGOU MAL PRA CARALHO!!!

Kkkkkkkkkkkk

Ou bem, dependendo do ponto de vista, rs...

Gostei da indicação e o livro realmente parece ser muito interessante, e acho até que deve ser tão interessante pra teístas quanto para ateus. Acho que o que pode prejudicar a leitura é fanatismo, seja qual for o lado. Fanatismo é uma merda, qualquer que seja o lado.

A tirinha é muito boa mesmo, rs

Agora pequenas opiniões curtas sobre o assunto:

1) Acredito no lado positivo da religião. Como tudo, o lado negativo sempre chama mais atenção e, vamos falar a verdade, o lado negativo é uma merda mesmo, rs, mas preconceito contra religião é uma merda tb (não estou dizendo que houve aqui, é so um fato).

2) Não acredito ao pé da letra em figuras barbadas, assim como em Papai Noel e Freud, rs, mas acho que tem uma parada a mais por ai, consciente ou não, que não sei o que é e não sei se algum dia vamos saber, não penso muito nisso, uarévaa, vivo tranquilo na minha "inguinorâncea" a respeito.

3) Não acredito em Midclorians tb, isso é um ponto importante a frisar. ;)

4) Não importa o que quer que exista, I BELIEVE IN LOVE.

I feel like I'm falling
Like I'm spinning on a wheel
It always stops beside of me
With a presence I can feel
I...I believe in love

("God Part 2" U2)

5) E pra terminar mais fanboy ainda, é como Lennon disse e o padeiro repetiu pra mim ontem de manhã:

"O sonho acabou."

Renver disse...

Diferente das Escrituras, esse não é um livro que se suponha que deva ser levado como verdade absoluta, então não vai haver uma chuva de fogo e enxofre ou uma turba de fanáticos pela evolução querendo, literalmente, sua pele se você discordar racionalmente.

Será?

Rafael Rodrigues disse...

(...)


Como assim você não acredita em Papai Noel?

Freud disse...

Tá bom, tá bom... eu admito. Papai Noel eu citei só pra parecer "descolado", mas acredito nele sim, bwahahahahahahaha

Me perdoe Noel, nunca mais te negarei.

rbmatos disse...

sou agnóstico professante ahahahahaah!!!

por isso o tema é por demais interessante.

já li bhagavad gita, uma parte do alcorão, muita coisa de diversas mitolgias, ensinamentos budistas, biblia, torá, etc...

mas nenhuma me explica direitinho por que todas as pessoas, por mais crentes que sejam em alguma religião e uma vida melhor depois dessa, choram desesperadamente quando um ente querido morre, ué, o sujeito não vai prum lugar melhor, por que não festejam?? acho que é o inconsciente dizendo que na verdade fuuuuuuuu....

Vini_oficial disse...

Faz um tempão q tô querendo comprar esse livro. Não só esse, mas o "Gene Egoísta" tb. Tá na minha lista de livros... Pena que tenho que comprar livros aos poucos se não estouro minhas contas!
Já tinha visto muitas resenhas sobre ele, e vejo q é realmente interessante, mas o engraçado é que quando um amigo indica, ele fica bem mais interessante ainda!
Sou budista e acredito numa força maior que permeia tudo, não acredito q vc tenha q ter medo dessa força e vc pode ser correto, justo e honesto sem ter menos de ir pra algum inferno qualquer. Pior que isso aqui q a gente vive eu acho difícil de existir. Mas o que eu queria falar é que apesar de ter uma religião (q no meu ponto de vista é muito mais uma filosofia de vida) gosto muito de ler livros e ver filmes sobre Física Quântica e qualquer coisa sobre o criacionismo. Esses dia eu assisti ao filme "A Criação" q conta a história de Darwin e uma filha q ele tinha q morreu. É muito bom ver q a crença e a ciência casou tão bem nesse filme! Foi triste ver q na época a pressão q ele sofria era tremenda!
Tb acho q pensar é o caminho pra encontrar as respostas!

É o q Buda pregava: "Ouça o que eu tenho pra falar, não me sigua cegamente, todos tem um caminho a seguir... eu tive o meu. Se precisar, discorde e busque a verdade que há dentro de vc, e por favor, se for algo que não sei, me ensine!".

Vini_oficial disse...

Quiz deizer medos e não "menos". =)

Marcelo Soares disse...

""O sonho acabou."

foi Lennon que disse isso? pensei que tinha sido o Magneto! Droga!

Marcelo Soares disse...

Acho que o ser humano, como ser egoista que é, chora mais pela falta que a pessoa vai fazer para si do que por ela mesmo.

Marcelo Soares disse...

Alias, essa coisa de religião e crendices é tão forte que aqui mesmo um dos pontos de "ataque" da militancia politica de um dos candidatos é dizer que o outro tem pacto com Satanas e a mãe é catimbozeira.

nina maria disse...

Rafael, a única coisa que me incomoda nisto tudo é o culto tão ferrenho à racionalidade e à ciência.
Não sei se acreditar em Deus seja realmente um delírio, desses que a Psicologia tem muitos lugares para se constatar como sintoma (eu mesma faço Psicologia). Não sei se acreditar numa possibilidade de vida eterna, acreditar em anjos ou espíritos te garanta um atestado de insanidade.
Talvez isso promova uma vida mental até mais tranquila, com menos medo da morte ou do que vem depois.
Só me senti muito incomodada mesmo com este culto à racionalidade, como se isto fosse a melhor maneira de se viver ou de se experimentar o mundo, como o restante fosse puramente produção de irracionalidade...
Enfim, este tema é atravessado por muitas outras questões e vale à pena ser discutido não só por ateus e não-ateus, mas pelas diferentes visões e discussões sobre a ciência "moderna".