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quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Promessas de amor a desconhecidos enquanto espero o fim do mundo


É muito legal ver como o mercado de quadrinhos autorais hoje em dia no Brasil está em franco crescimento, seja pelas editoras começarem a investir nesse filão ou os editais de incentivo governamental ou ainda pelo próprio publico ser um pouco mais aberto a experimentações e histórias de teor mais “adulto” e de impacto, proporcionando aos autores também se arriscar mais e buscar formas fora do tradicional de contar uma história. E é com essa ousadia que me deparei a ler a não só HQ, mas também projeto gráfico de Pedro Franz: Promessas de Amor a Desconhecidos enquanto espero o fim do mundo. Sim, o nome é bem surreal, assim como a própria história, para meu grande prazer.


A HQ, do catarinense Pedro Franz, é uma obra pensada para 12 capítulos e inicialmente colocada a disposição em partes em seu blog enquanto ele foi criando cada capitulo. Quando o autor recebeu um apoio do governo de Santa Catarina então pode dar a forma impressa à história, um encadernado das quatro primeiras partes intitulado Limbo. Porém, o autor não parou a história, que atualmente está no seu sétimo número contando, segundo o autor, "uma fábula sobre o medo funcionando como crítica à moral burguesa e à intolerância contada em formato de Peter Pan pós-moderno". 

Em Promessas acompanhamos os desdobramentos das ações de um grupo de revolucionários intitulados Jolly Roger, que através de transmissões piratas de televisão chamam as massas para se rebelarem contra a imposição político-policial que a cidade vive, corrupções, repressão, uma sociedade do medo em pleno Brasil no distante ano de 2018. A partir de um ataque a bomba em um prédio do governo atribuído aos revoltos (agora transformados em terroristas) e que nem eles mesmos tem certeza da culpa, o caos na cidade se desencadeia, alterando a vida de vários personagens teoricamente sem conexão nenhuma.

A história de Franz é um conto moderno muito conectado com obras como 1984, Admirado Mundo Novo e V de Vingança (essa em particular, haja visto os personagens usarem mascaras – sendo que de caveiras – como forma de esconderem seus rostos), colocando em xeque o papel das autoridades e como a sociedade reage a eles. Diferente de outras obras que passam superficialmente, e até bem ingenuamente, quase como panfletos militantes, Promessas brinca com a própria narrativa, forma de vermos as coisas, percepção e imersão na obra de uma forma, para mim, competente e bem inspiradora.

Entenda bem caro leitor, essa obra em questão não é algo para quem não curte experimentalismos gráficos, narrativos e filosóficos, quem não suportar citações a músicas, textos, entrevistas, com um ponto bem parcial de opinião. Enfim, você fanboy de super-heróis que não aceita nada que não use roupa colante, ou seja, bem explicadinho, nos seus mínimos detalhes, passe longe desse trabalho do Pedro.

A arte das edições também é algo a parte. Confesso que a primeira edição me deixou cabrero, não me agradou muito, mas ao longo das histórias o Pedro mostrou uma evolução que alguns comparam até a um Lourenço Mutarell, caindo lisergicamente ao mais próximo dos quadrinhos psicodélicos, mas, sempre, de acordo com o conteúdo da história naquele momento. Além disso tudo, ele busca escapar do lugar comum em quase todos os trabalhos de quadrinhos, nas capas, nas fontes, uso de recursos fotográficos, diagramação.

Em resumo, Promessas de amor a desconhecidos enquanto espero o fim do mundo é uma obra extensa, não só no nome, não só em capítulos, mas, principalmente, em observações e reflexões que pode gerar e olha que ainda está na metade do caminho, deixando a curiosidade de saber se continuará com a mesma qualidade e que mais surpresas podem surgir. Uma obra madura, com cara própria e recomendadissima a quem procura novas experiências dentro do mundo das histórias em quadrinhos.

Promessas de Amor a Desconhecidos Enquanto Espero o Fim do Mundo Vol I
Autor: Pedro Franz
Páginas: 68
R$ 10,00 (ou download gratuito no site do autor)

2 comentários:

Zenon disse...

Desde o podcast com o Cadu Simões é que eu ouço o Marcelo falar dessa história e ficou muito curioso, já começando pelo nome. Vou ver se acho por aqui.

Rafael Rodrigues disse...

Li apenas os primeiros capítulos, mas concordo com o review, a obra é ótima para quem reclama que quadrinhos no Brasil é sempre mais do mesmo.

Agora falando das máscaras de caveira, é interessante notar como este símbolo é bastante recorrente na expressão artística brasileira (O Caveirão do BOPE - embora seja baseado na realidade, e o Garra Cinzenta são dois exemplos). Valeria uma maior inestigação a respeito disso.

Parabéns pelo review Marcelo, graças à ele me animei a fazer um review de outro projeto de HQ que tem n web...