“São monstros e magia, nada para o qual fomos treinados”Viúva Negra
“No fim, vocês sempre se ajoelham”Loki
“Nós não somos uma equipe, somos uma mistura química que produz caos.”Bruce Banner
(Nota: Este ensaio não é uma resenha e é, como todo ensaio, um ponto de vista pessoal e subjetivo acerca do tema)
“Qualquer ciência suficientemente avançada é indistinguível da magia”, disse uma vez, salvo engano, Arthur C. Clarke. Por trás dessa declaração, há uma mensagem muito importante e da qual poucas pessoas se dão conta: Conhecimento é poder. “Magia”, nada mais é do que algo fora do comum, alheio à nossa capacidade de julgamento e imprevisível, ou seja: algo que não entendemos, como toda a tecnologia de serpentes gigantes e criaturas demoníacas aliadas à Loki, o vilão de Os Vingadores. Já ciência é parte do ser humano, foi criada a partir de sua capacidade e serve justamente para permitir que compreendamos as coisas e as usemos em nosso favor, como Tony Stark fez para salvar sua própria vida (o que acarretou sua transformação em Homem de Ferro), e para criar um protótipo de torre autossustentável que eventualmente garantiria energia limpa para a população.
Enquanto a magia é hermética, fechada num mundo exterior além de nossos olhos (como Asgard e os outros mundos citados e apenas vistos indiretamente no filme), a ciência é democrática, tendo sido capaz tanto de transformar Steve Rogers em uma lenda viva quanto condenar Bruce Banner a uma vida fugindo dos outros e de si mesmo. Mas é nesta distinção entre magia e ciência que reside a importância da frase de Arthur C. Clarke: quando não entendemos algo, ficamos à mercê deste (ou de quem a entende). Mas, quando o compreendemos, podemos controlar nossos próprios destinos.
A ciência é libertadora. Pode parecer exagero, mas não é. Há um sem número de exemplos que eu poderia dar, mas é fato de que nossa sociedade progrediu muito nos últimos séculos, especialmente por causa da ciência. Deixamos (nem todos, mas isso não vem ao caso) de atribuir os eventos alheios a deuses e inteligências fora da nossa compreensão e passamos a entender como a realidade funciona. Assim, passamos a ter controle de nossas próprias vidas.
Mas ter controle sobre nossas próprias vidas é uma responsabilidade grande. Talvez grande demais para alguns de nós suportar. Talvez por isso Loki tenha sido incisivo para com a multidão que se ajoelhou diante dele, ao dizer que os humanos foram feitos para serem governados. Nem todo mundo quer a responsabilidade. Saber é pedir demais. Às vezes, é melhor ficar com a magia e deixar que outros decidam por nós.
É claro que a ciência cometeu alguns erros no caminho, como bem disse Nick Fury a Steve Rogers. Muitos, aliás. Afinal, a ciência não tem a intenção de ser infalível. Não podemos esquecer, no entanto, que a ciência é uma ferramenta: O uso dela depende exclusivamente de nós mesmos. Foi o que demonstrou Bruce Banner que, mesmo tendo sido condenado a uma vida dividindo espaço com um monstro enfurecido, aprendeu a controlá-lo e usá-lo para salvar vidas ao invés de destruí-las. Um efeito colateral negativo usado de forma positiva.
Em Os Vingadores, o embate Magia X Ciência é bem claro: Quase todos os mocinhos se valem da ciência para serem o que são (além, é claro, de suas próprias habilidades e personalidades pessoais), seja uma armadura, um soro do supersoldado, um monstro criado por radiação ou armamentos ultratecnológicos da S.H.I.E.L.D. O único dos mocinhos que está mais próximo da magia (dentro do conceito estabelecido neste texto) é Thor, que é indiretamente responsável por todo o caos que o filme retrata. Assim, a magia vem nos escravizar. Não somos capazes de controlar certas forças, não sabemos ser livres, precisamos de alguém que nos diga o que fazer, alguém mais poderoso que nós, que sabe mais do que nós. Estas foram certamente desculpas muito utilizadas ao longo da história por personagens reais para justificar ditaduras e transformar pessoas em “macacos voadores”, alegoria usada pelo diretor da Shield para se referir aos personagens manipulados por Loki.
E este é outro ponto a ser comentado: todos os personagens que auxiliam Loki em sua cruzada são pessoas bem-intencionadas, possivelmente de bom coração, que estão sendo manipuladas, tendo suas “mentes controladas” pelo vilão. Isso é o que aconteceu com muitas pessoas ao longo da história que seguiram pessoas como Hitler ou que ajudaram a queimar bruxas na inquisição. Foram manipulados pela “magia”. Mas a magia talvez não seja tão poderosa assim. Doutor Selvig, que havia sido manipulado para construir uma máquina capaz de usar o Tesseract para abrir um portal para outro mundo, conseguiu manter sua consciência o bastante para sabotar o próprio trabalho. Por mais que a magia seja tentadora, a ciência possui uma aliada forte: a possibilidade de conhecimento.
Os heróis vistos em Os Vingadores surgiram em uma época em que o cientificismo estava em alta (com exceção do Capitão América, mas deixemos o contexto histórico dos quadrinhos de lado): por essa razão, todos os personagens têm algum “pé” na ciência. Mas, ao mesmo tempo em que são heróis científicos, são pessoas difíceis: atormentadas, geniosas, sisudas, deslocadas... São pessoas convivendo com o fardo que a ciência carrega, o fardo do conhecimento, cujo bom uso depende de seu próprio discernimento. E, como acredito que todo adulto saiba, conhecimento é um fardo complicado, e nem sempre sabemos a melhor forma de usá-lo (sendo que, na maioria das vezes, apenas achamos que sabemos). Cada herói carrega sua “cruz” científica, mas fazem dela uma ferramenta para alçar vôos mais altos, para se tornar pessoas melhores e para vencer as adversidades. Mas é o conhecimento deste fardo, a capacidade de entender o que eles podem trazer de bom e de ruim, que faz ser possível discernir sobre a melhor forma de usá-los. E é isso o que, apesar dos tropeços e dos desentendimentos iniciais, os heróis de os Vingadores acabam percebendo para assim se unir por um bem maior.
Os Vingadores não são os super heróis típicos; Eles são poderosos, mas são problemáticos e imprevisíveis. São heróis que erram para poder acertar. São heróis da ciência. Mas mais do que uma visão positiva da ciência, Os Vingadores levam o público a refletir sobre um conceito simples, mas fundamental: liberdade. Liberdade esta que foi tirada pela magia de Loki e que só pôde ser retomada através da ciência e do conhecimento. Não é uma liberdade bonita: É uma liberdade onde todos podem tomar suas próprias decisões, onde todos podem errar e coisas imprevisíveis podem acontecer... Mas uma liberdade onde qualquer um pode ter controle de sua própria vida, ao invés de se ver obrigado a ajoelhar-se diante do desconhecido.
P.S.: Acredito que muita gente não saiba, então apenas em nível de curiosidade: Tesseract, título dado ao cubo cósmico que gera todos os problemas em Os Vingadores, é o nome (em português é “Tesserato”) de um “cubo” hipotético de quatro dimensões, uma forma geométrica que tenta, em 3 dimensões, ser um modelo do que seria um objeto quadridimensional. É também chamado de hipercubo 4D.
16 comentários:
Só o Rafael mesmo para usar os Vingadores para "pregar" sutilmente (ou não) o ateismo! kkkkkkkkkkk.
Bom texto, achei que em alguns momentos foi redundante, mas uma boa visão sobre a questão do sobrenatural (magia, mistico) e a ciência. O legal é que os filmes da Marvel apesar de aceitarem a Magia Asgardiana, dá a entender que é tecnologia avançada e que Asgard é como um mundo alienígena de outra dimensão.
Indo mais além na sua análise, pensando bem a magia até nos próprios quadrinhos não é muito bem vista pelos leitores. Explico, quantos heróis misticos são de fato um grande sucesso de público e histórico nos quadrinhos? Acredito que nenhum. Podem até serem conhecidos (como o Dr. Estranho, Motoqueiro Fantasma ou o Sr. Destino), mas a magia quando é do "bem" não é completamente aceita, pois a grande maioria do público tem convicções religiosas que põe o poder mistico/magico/divino somente a Deus e o único elo nisso são os padres/pastores. Então, seres que utilizam de desses dons passam a serem exóticos, mas não tão crivéis ou interessantes.
Agora, quando a magia é maligna (como a de Loki, entre outros, e ainda mais em filmes sobrenaturais que em sua maioria trata do sobrenatural como mal) a magia é mais aceitável pelo seu público, que até a curte mais, pois, por terem essa ligação religiosa, liga magia ruim ao demônio, logo, esse ser pode fazer de tudo e usar quem quiser para ser seu intermediário.
Claro que aqui dei uma generalizada, pois sempre existem pessoas que não são tão ligadas a religião e também acham a magia algo interessante e a veem com mente aberta. Mas acho que dá para ter umas idéias sobre. Eu sou apaixonado por personagens misticos e fico triste deles não serem tão fortes como os científicos no mundo das HQs.
Ótimo post filosófico, Rafael!
Visto por este prisma, Vingadores tem então um excelente roteiro, não? Ou pelo menos, inserções de temas e um contexto que são muito inteligentes e capazes de nos fazer refletir acerca de nossas próprias vidas, limitações e crenças.
Só o Rafael mesmo para usar os Vingadores para "pregar" sutilmente (ou não) o ateismo! kkkkkkkkkkk.
Hsuahsuahusahsuah.. Pensei exatamente isso.. Contudo, realmente é um bom texto.
Tirando os religiosismos (ou a falta do mesmo) do texto retratado e que eu não percebi quando eu li (mas que já foi citado nos comentários), foi uma puta texto e mostra que Vingadores tem um conteúdo sólido que alguns injustamente acusam exatamente ao contrário.Mas assim como todo os filmes da Marvel Studios (e da editora em si), novamente a ideia de poder é apresentado, só que numa escala muito maior.No fim das contas, mesmo sendo um embate do "conhecido" vs "desconhecido", é sobre símbolos, e o que isso os significa quando você explora seus possibilidades/ seu poder ao todo (então to meio que concordando com seu texto mas ao mesmo tempo descordando em certos pontos, Rafael HAHAHAHAAHAHAHA). E outra coisa que percebi tarde (e que francamente, é triste): o embate Thor vs Homem de Ferro é o combate "Magia vs Misticismo" que não veremos em Homem de Ferro 3, já que provavelmente se tiver o Mandarin (como tudo indica) ele vai vir de uma maneira BEM diferente do original.
Eu só não sei onde vocês viram ateísmo no meu texto, kkkkkk
Ele é uma ode à ciência e ao conhecimento, isso com certeza.
Cara, eu tirei sentido de American Pie, posso tirar sentido de qualquer coisa, kkkkkk
Mas falando sério, acho que as pessaos confundem um roteiro simples com um roteiro simples. Os Vingadores não é nada complexo, mas não significa por isso que seja menos passivo de profundidade.
"acho que as pessaos confundem um roteiro simples com um roteiro simples"
"não é nada complexo, mas não significa por isso que seja menos passivo de profundidade"
...ou não, muito pelo contrário, bwahahahaha
Quando o pessoal fala que o roteiro é simples, acho que se referem a trama básica, mas roteiro não é só a trama. Vingadores tem um roteiro muito bem estruturado, tanto que é gracas a isso que conseguiu dar espaço a todos os personagens, mostrar interações legais entre eles, desenvolver um pouco a Viúva Negra, entre outras coisas..
Claro que não tem nada de ateísmo no texto e...
"Deixamos (nem todos, mas isso não vem ao caso) de atribuir os eventos alheios a deuses e inteligências fora da nossa compreensão e passamos a entender como a realidade funciona. Assim, passamos a ter controle de nossas próprias vidas."
... bom, a "defesa" encerra.
Bwahahahaha
Ok, guilty. Mas em minha defesa, só falei o óbvio, não defendi o ateísmo =)
É, Freud, nosso amigo Rafael tem mania de ser redundante e de querer dizer outra coisa com a mesma coisa. Kkkkkk
Mas como não, eu vi o Thor no filme dos Vingadores fazer raios kkkk
AhuHauHAuHAUhUAHUAHUHUAHUAHUA
Pois é...Retiro o que disse!
Ótimo texto.
Vou até colocar um ponto a mais: os heróis cientistas (Stark e Banner) desconfiam da SHIELD, porém, o Capitão América, que é o herói leigo da ciência, é manipulado pela organização. Stark e Banner tem claramente um espírito menos submisso que Rogers, o leigo. Isso para mim, forçando um pouco a barra, representa as diferentes relações com a ciência dos especialistas e dos leigos. Para os especialistas a ciência é libertadora, mas para o leigo ciência e magia são iguais: ele aceita porque disseram que é verdade.
Bom texto!!! agora imagino ele falando do Batman quando sair TDK Rises... A vdd não preciso, pra isso temos o Corto Maltese.
Ótimo texto, não vou entrar na discussão se é um texto em defesa do ateísmo (também sou ateu), na verdade, queria comentar que o texto do Algures talvez tenha sido o único até agora que citou que é no filme dos Vingadores que o Tony Stark finalmente resolve usar o reator ark como um real beneficio para a sociedade.
Texto interessante, mas considero ingenuo em alguns pontos. A ciência é democrática, sim, até certo ponto. Existe uma coisa chamada metodo cientifico que é fruto de variadas injuções politicas e economicas, algumas delas, mostradas de forma sutil no filme dos Vingadores e noutros filmes da Marvel Estudios. O metodo cientifico esta fortemente ligado ao processo de sustenção economica da pesquisa cientifica, ou seja, quem paga o cientista e os recursos humanos e tecnicos, define como, o que e quando se pesquisar. No filme, quem define o que será feito por meio da pesquisa cientifica no cubo cosmico é uma organização militar, a SHIELD! Mas há também o milionário Tony Stark. Ele representa o poder economico, o desejo por lucro, que no primeiro filme do Homem-de-ferro, era a qualquer preço. Tony cria o Homem-de-ferro e toda a tecnologia que permite que ele lute contra os vilões. Ora, em ambos os casos, existe alguém que domina a ciencia, determina os metodos e define os fins. Então a ciência não é tão livre assim. Depois, a ciência tem seus mitos, seus rituais, suas posturas dogmáticas sua cultura enfim, como também tem a dita magia. Claro que a ciência é um processo mais eficaz de dominio da natureza, mas a magia é a forma que os humanos acharam para lidar com o mistério que esta alem das fronteiras do que é conhecido. Por isto acho que é preciso não achar que a ciência sabe tudo e liberta e nem que o pensamento mágico é somente fantasia que oprime. A realidade é mais rica do que podemos dar conta somente com o fetichismo da ciência.
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